Participação no V Comúsica

Esta semana tive a oportunidade de apresentar nova pesquisa no grupo de trabalho “Música, Afeto e Materialidades”, coordenado por Simone Pereira de Sá (UFF) e José Claudio Castanheira (UFSC) na quinta edição do Congresso Nacional de Comunicação e Música. O evento aconteceu esta semana na UNISINOS, em São Leopoldo (RS). Inclusive apresentei na nossa sala de aula da pós-graduação, onde muito provavelmente será a defesa da tese no próximo ano.

Mas a programação do congresso se estendeu também por Porto Alegre, como foi o caso do POA Rock City Bus Tour guiado pelo Edu K (DeFalla) e a festa de encerramento no OCulto (Cidade Baixa). Legal que, no mesmo dia, o Mario Arruda estava apresentando trabalho na mesma sessão que eu e, à noite, tocando com a banda dele, a Supervão, na despedida da maratona de três dias, o que mostra um entrelaçamento bem interessante entre academia e as práticas abordadas.

Bom, aí vai o que levei a debate no V Comúsica. Mas, antes de ler, vejam este vídeo:

 

Possíveis paradoxos do disco quadrado: indícios de aura em camadas revoltas da cultura da mídia sonora

A partir de 2014, diversos artistas brasileiros começaram a lançar produções musicais no novo formato que a empresa Vinyl-Lab passou a oferecer em São Paulo: o lathe cut lo-fi. Enquanto no processo industrial do vinil o plástico é prensado em pranchas que dão forma ao sulco (groove), no lathe cut uma gravação é cortada manualmente no suporte, usando um torno mecânico especial para a tarefa.

Tais aparatos foram encontrados sem uso, às vezes danificados e com peças faltantes, e a dupla de empreendedores da Vinyl-Lab teve que descobrir como reconstituir e adaptar seus funcionamentos. Lo-fi refere-se à baixa fidelidade da gravação, por causa da agulha de metal, que se mostrou a mais viável financeiramente para produção no país, e porque o torno – segundo os produtores, usado para fazer masters na Jamaica nos anos 1950 – opera em mono.

Seguindo a pista de Siegfried Zielinski (2006), perguntamos: o que há de novo nesse velho? Destacamos dois aspectos importantes, sendo o primeiro deles a valorização de uma sonoridade de baixa fidelidade como resultado de um modo de fazer entendido como arcaico na história da reprodução sonora. A perda de agudos e de volume são considerados “o charme do negócio”, pois o ouvinte teria acesso a marcas que relíquias do passado fonográfico deixam na música composta no presente – embora o “som de gramofone” também esteja relacionado a restrições nos fluxos contemporâneos das materialidades das mídias no capitalismo periférico.

O segundo aspecto a considerar é a fusão de arte visual e música na mesma peça: como o material empregado é transparente, permite impressão de um trabalho gráfico em um dos lados. Assim, muitos projetos são produzidos em formato quadrado e em edições limitadas, um amálgama que reforça o discurso dos lathe cuts enquanto obra de arte. “Você terá o prazer de vivenciar uma época em que as músicas só podiam ser escutadas através da matéria física. Você vai poder ter em suas mãos um quadro, uma obra de arte, ou seja, um disco único, cortado um a um, em uma máquina que fez parte da história”, anuncia a Vinyl-Lab.

Para compreender as condições de possibilidade da emergência desses novos hábitos de escuta, precisamos entender o papel da raridade e como ela se configura na cultura midiática contemporânea, onde reinam a cópia, o streaming e a nuvem. Reagindo a efeitos adversos da cultura digital na experiência da música, a comunidade indie britânica, por exemplo, transformou o vinil em uma “forma de arte originária, orgânica” (FONAROW, 2006). Paradoxalmente, pesquisas recentes mostram que quase metade dos compradores de vinis no Reino Unido sequer os escutam.

Os lathe cuts do século XXI, por sua vez, são uma reconceitualização de um subproduto que raramente servia à escuta, sendo apenas molde da master na produção de vinis. Enquanto esta era valiosíssima no regime da reprodutibilidade técnica industrial do som, os acetatos cortados artesanalmente costumavam ser descartados no processo. Fadado ao desgaste após muitas reproduções, esse registro sonoro de baixo custo, chamado dubplate na cena reggae jamaicana, começou a ser usado pelos DJs nos Sound Systems para testar a recepção de novos sons nas festas, antes de maiores investimentos em prensagem. Também na década de 1950 e a partir do mesmo processo, Elvis Presley entrou em um estúdio e saiu com sua primeira gravação em um disco de acetato feito na hora (o item foi leiloado em 2016 por trezentos mil dólares).

O fenômeno dos lathe cuts nos sugere que, se a aura da obra de arte talvez tenha sido atrofiada em um primeiro momento da era da reprodutibilidade técnica, como afirmou Benjamin, esta época parece já ter se estendido o suficiente para que surjam tradições e rituais que lhes são próprios. Talvez não se trate mais da reprodução de uma obra de arte concebida para ser reproduzida, mas da própria reprodução concebida como obra de arte.

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de Sua Reprodutibilidade Técnica.  Porto Alegre: Zouk, 2012.

ZIELINSKI, Siegfried. Arqueologia da Mídia. São Paulo: Annablume, 2006.

FONAROW, Wendy. Empire of Dirt: The Aesthetics and Rituals of British Indie Music. Middletown: Wesleyan University Press, 2006.

STERNE, Jonathan. The Audible Past: Cultural Origins of Sound Reproduction. Durham, Londres: Duke University Press, 2003.

 

 

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