Novas andanças em Glásgua

Nos últimos dias, quando não estou sentada no hall de entrada do Centre of Contemporary Arts de Glásgua, onde há umas mesinhas onde ligar o computador e umas caixas de som ligadas na transmissão da Radiophrenia, estou batendo perna por aí. A arquitetura vitoriana do século XIX enche os olhos desde os primeiros momentos, mas a cidade ainda guarda alguns edifícios medievais e é bastante conhecida por um grupo de artistas que, no início do século XX, ajudaram a definir a art nouveau como estilo.

ATENÇÃO: as gravações que vocês vão ouvir é de alguém fazendo suas primeiras tentativas, com novos aparelhos, em lugares novos, descobrindo que a capinha de esponja que vem com o microfone para o iPhone transforma o impacto do vento em um ruído grave que atravessa praticamente todas as gravações feitas ao ar livre. Ainda não adquiri um fone de ouvido, por isso não me dei conta na hora dos registros. No instante de gravar, estava dedicada a uma escuta não mediada pelo equipamento. Então vocês vão acompanhar meu desenvolvimento na prática da gravação de campo, no melhor estilo faça-você-mesma. Apreciarei comentários e dicas na caixa de comentários aí embaixo. :-)
ATENÇÃO: as gravações que vocês vão ouvir neste post é de alguém fazendo suas primeiras tentativas, com novos aparelhos, em lugares novos, descobrindo que a capinha de esponja que vem com o microfone Rode iXY para iPhone transforma o impacto do vento em um ruído grave que atravessa praticamente todas as gravações feitas ao ar livre, cobrindo outros detalhes. Ainda não adquiri um fone de ouvido melhor, por isso não estou ouvindo por aparelhos na hora dos registros e não me dei conta do possível resultado. No instante de gravar, estava dedicada a uma escuta não mediada pelo equipamento. Então vocês vão acompanhar meu desenvolvimento na prática da gravação de campo no melhor estilo 1) faça-você-mesma e 2) slow-science. Esses são “rascunhos sonoros”. Apreciarei comentários e dicas, na caixa de comentários aí embaixo. :-)

Está rolando um festival de arquitetura puxado pela associação Royal Incorporation of Architects in Scotland, que está fazendo cem anos e decidiu puxar uma grande retrospectiva do período. Os eventos estão ligados ao Ano da Inovação, Arquitetura e Design, que a Escócia celebra em 2016. Mas para conhecer o particular Glasgow Style, nada como seguir pela maior cidade escocesa os traços de seus maiores expoentes, o casal Margareth Macdonald e Charles Rennie Mackintosh. Algo no que a Glasgow School of Art se dispõe a ajudar diariamente, oferecendo visitas guiadas curtas ou mesmo caminhadas de duas horas e meia pela cidade, ministradas por ex-alunos.

Às vezes, no entanto, o que a gente quer ouvir mesmo é a cidade pulsando. Caminhar pela Sauchiehall Street quando as pessoas estão indo ou voltando do trabalho pode proporcionar o encontro com muitos músicos de rua. Eles também estão em outras esquinas nas proximidades, seja pela Buchanan cheia de lojas ou na George Square, a principal praça.

George Square, centro de Glásgua
George Square, centro de Glásgua
Tocador de gaita de fole, na rua Buchanan
Tocador de gaita de fole, na rua Buchanan

Das gravações que fiz nesses lugares, pude perceber a presença constante das gaivotas. A Escócia é o habitat natural de muitas espécies e algumas se adaptaram tão bem ao ambiente urbano que podem até ser consideradas um problema nessas áreas. No verão boreal, especialmente entre julho e agosto, as fêmeas protegem seus ninhos com um fervor capaz de provocar danos a prédios e sustos a transeuntes alvos de seus voos rasantes.

Oban

Bem grandinhas, algumas Herring Gulls chegam a pousar nas pessoas ou roubar seus fish and chips (peixe e fritas, comida bem comum no Reino Unido). Foi o que me alertou uma senhora ao lado de quem fiz passeio às Highlands, uma região belíssima e uma das menos povoadas de toda a Europa. Entre paradas em castelos e mirantes, tive a oportunidade de fazer gravações em Oban, que possui um porto intenso e uma costaneira acolhedora, cheia de turistas, principalmente num dia ensolarado de verão como aquele.

Oban, Highlands do oeste, Escócia
Oban, Highlands do oeste, Escócia
Percurso de gravação - Oban, Highlands, Escócia
Percurso da gravação

Algo que já marcou mais fortemente a diferença entre as Highlands e as Lowlands: a língua. Nas terras altas, falava-se o gaélico escocês. Pelas placas de trânsito no caminho, parece evocar um som bem diferente do inglês – que, por sua vez, tem um sotaque bem forte na Escócia, bastante particular. Então em Glasgow, nas Lowlands, tem-se o som desse inglês de articulação escocesa, enquanto nas Highlands ainda é possível ouvir o gaélico. Mas infelizmente não deu pra mim.

Cada vez menos falado, o gaélico é a língua dos clãs que se insurgiram contra a coroa inglesa na época do jacobitismo, os mesmos que usavam os tartãs, aqueles tecidos de padrões quadriculados, hoje tão característicos do país. Atualmente, há tentativas de não deixar o gaélico morrer, como a produção de programas de TV e ensino nas escolas. O gaélico escocês é um pouco diferente do irlandês, mas ambos possuem uma ligação ancestral com o português. Nosso idioma foi influenciado pelas línguas celtas que um dia soaram no território atualmente conhecido como Portugal. É o caso do celtibérico, do galaico e do lusitano.

E por falar no que se extingue, não poderia deixar de mencionar a caminhada sonora pela Necrópolis de Glásgua, um cemitério fascinante localizado em uma colina, de onde se tem uma vista espetacular da cidade. Ouve-se muito vento nas árvores e vários pássaros que vivem aqui, e que obviamente não se pode ouvir no Brasil. Eventualmente, escuta-se os passos e a conversa indistinta de outros visitantes que passam, seja porque o espaço é amplo, os grupos dispersos, ou porque as pessoas acabam falando baixo mesmo, em respeito ao lugar. O volume dos zunidos e estrondos mecânicos, elétricos e eletrônicos do ambiente urbano podem ser regulados na caminhada: mais altos nas bordas, mais baixos quanto mais nos embrenhamos por entre as lápides. Lembrei de John Cage dizendo que silêncio absoluto só existe na morte.

Depois de uma volta pela Necrópolis, peguei a passarela de pedra sobre a via de carros que separa o cemitério da Catedral de São Mungo. Essa construção gótica da Idade Média, única da Escócia a passar incólume pela Reforma, não leva apenas o nome do padroeiro católico da cidade, mas também guarda sua tumba desde o século V, quando se converteu em centro de peregrinação. Que sons se faziam ouvir ali em torno, séculos e séculos atrás?

Órgãos de tubos da Catedral de São Mungo (esq) e da galeria e museu Kelvingrove (dir)
Órgãos de tubos da Catedral de São Mungo (esq) e da galeria e museu Kelvingrove (dir)

Em 1879 foi instalado um órgão de tubos, restaurado em 1996. Quando cheguei à nave de St. Mungo, estavam apertando algumas teclas, para manutenção do instrumento. Diferente do momento em que cheguei a Kelvingrove, quando estava começando o concerto de órgão gratuito que essa galeria de arte e museu promove todos os dias, às 13 horas. As dimensões desse prédio são menores que a catedral, mas a suntuosidade do fim do século XIX está ali, e o salão é grande o suficiente para funcionar como uma grande caixa de ressonância. Parte absolutamente indissociável do órgão de 1901, enquanto instrumento musical. Impossível não lembrar do livro de Emily Thompson sobre arquitetura, som e modernidade, apesar da obra se dedicar à cultura aural do início do século XX nos Estados Unidos, e não na Europa.

Salão centrol da galeria de arte e museu de Kelvingrove
Salão centrol da galeria de arte e museu de Kelvingrove

Ainda haveria uma parada a fazer, em busca da experiência de ouvir órgãos de tubos, que seria na Catedral Metropolitana de St. Andrew, à beira do rio Clyde. Mas desde 2009 ele está desmontado. Enquanto levantam fundos para trazer de volta o instrumento de 1903, usam um órgão eletrônico. Estar lá, em pessoa, pode parecer ainda mais desnecessário quando se sabe que a arquidiocese transmite diretamente da catedral pela internet. Mas tudo depende. Por que estar aqui em Glásgua ouvindo a programação da Radiophrenia no CCA, ao invés de ouvir pela internet em qualquer outro lugar?

 

:: Este doutorado sanduíche está sendo financiado pela Capes – Ministério da Educação do Brasil, por meio do Programa Professor Visitante do Exterior do Ciência Sem Fronteiras ::

 

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