Durante a pesquisa do mestrado, passei algum tempo estudando o ambiente sonoro do que chamei de Vizinhança Zero. Nela, havia observado a passagem do vendedor de chegadinho que desencadeou a investigação. Essa exploração consistiu em passar uma porção de tempo de cada uma das 24 horas do dia registrando eventos sonoros. Para isso, usei não só gravações, mas também um diário de sons, no qual registrava por escrito tudo que ouvia.
Bem… tudo, não. Às vezes eram muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo – por isso a importância de gravar. Por outro lado, vi que também me faltava mais léxico para dar conta de todos os sons que rolavam. É aí que entram em jogo trabalhos como “A l’écoute de l’environnement: Répertoire des effets sonores”, que Jean-François Augoyard e Henry Torgue editaram na França (também traduzido para inglês, com prefácio de Murray Schafer).
Extremamente eficazes em nos levar a outro nível de percepção auditiva, essas duas técnicas combinadas necessitam de muito tempo para que se possa extrair delas dados tão interessantes, concretos e avançados quanto a mudança que causam nas habilidades do pesquisador. E pesquisa acadêmica é assim: tem prazos bem estritos, e nem sempre você vai ter tempo para debulhar todo o material que tem em mãos, em patamares mais profundos. Foi o que aconteceu com esse material.
Na semana que se passou, no entanto, pude ter contato com um programa de computador que teria me ajudado a usar melhor aqueles dados – e certamente o fará no futuro. O NVIVO foi apresentado na I Escola de Verão do ILEA – Instituto Latinoamericano de Estudos Avançados da UFRGS e permite realizar análise qualitativa de dados não numéricos e não estruturados. Ele reúne numa só plataforma nossas fontes de pesquisa, suportando importação de arquivos de texto, som, vídeo e imagem, em diversos formatos, passando inclusive por extrações do Twitter e no Facebook (ele lê e organiza as informações de geolocalização das postagens, por exemplo).
A mágica é que você vai indexando todo esse material empírico que vai importando para ele, sendo possível fazer cruzamentos complexos de dados de forma mais rápida e precisa do que quando estamos lidando com nossa própria memória. Uma ferramenta como essa certamente permite que as gravações e o diário de sons sejam “casados” e indexados em torno de conceitos, categorias, fontes – ou a partir da categorização de efeitos sonoros sugerida por Augoyard e Torgue, por exemplo. Depois é muito fácil ter acesso a todos os trechos de áudio que foram codificados em nós gerais, que podem seguir a subdivisão desses autores – “Efeitos elementais”, “Efeitos composicionais”; “Efeitos mnemo-perceptivos”; “Efeitos psicomotores”; “Efeitos semânticos” e “Efeitos eletroacústicos”. Fica a dica!